Thursday, March 06, 2008

Ninguém paga a ninguém

Trabalho com seis empresas diferentes na área da consultoria RH, em projectos vários: formação comportamental, recrutamento de pessoal, implementação e revisão de sistemas de gestão de desempenho baseados em indicadores de competências e objectivos, diagnósticos de clima organizacional, definição de planos de remuneração e benefícios com valoração de postos de trabalho e restante outsourcing.
Cada uma destas empresas especialistas tem os seus clientes. E às vezes também disputam os mesmos, o que me obriga a alguma gestão ética, porque acontece de aparecer no mesmo cliente por mais do que um fornecedor.

Dos serviços que presto advém uma remuneração bruta “à peça / hora”, da qual o Estado me cobra 21% de IVA, retém 20% de IRS e chula quase 200 eurinhos fixos à Segurança Social (que só são contabilizados para reforma, porque baixa médica ou desemprego é mentira!). Mas isto dava outro post.

A questão é a cadeia de pagamento. O cliente do cliente do meu cliente (perceberam?) não paga dentro do prazo negociado as facturas do serviço que lhe é prestado / produto que lhe é fornecido. Logo, o cliente do meu cliente também se atrasa no pagamento do serviço de recursos humanos. Logo, o meu cliente também demora a pagar o serviço que subcontratou. E eu, no talho e no supermercado, tenho de pagar a pronto. Não está certo.
O grande não paga ao médio e este não paga ao pequeno. O pequeno, apesar dos meus 188 cm, neste caso sou eu.

Compreendo que os meus clientes não possuam fundo de maneio para me assegurar o pagamento. Compreendo que nem o queiram ter, porque uma conta caucionada implica juros que num instante lhes comia a margem do negócio. Compreendo até que, quando tenho informação privilegiada e sei que o cliente deles pagou, precisem de direccionar a liquidez para outras prioridades. Mas o que não compreendo é que me peçam o recibo para «agilizar o processo» e depois o pagamento demore vários pares de meses. E chateia-me receber declarações de rendimentos 2007 de dinheiro que ainda não foi liquidado. Podiam aproveitar o envelope e anexar o cheque. É que entretanto já paguei IVA’s trimestrais de dinheiro que, aos olhos do Estado, já recebi. O engraçado é que esta cadeia também começa no próprio Estado. O facto da C.M. Lisboa dever 600 milhões, implica directa e indirectamente centenas de empresas e milhares de pessoas. Que, no fundo da cadeia, como eu, não se podem atrasar nas suas contas. E agora a piada: nem sequer ao Estado. Porreiro, pá.

Qual é o limite? Pus-me a pensar nisso ao olhar para a minha Contabilidade e perceber que o dinheirito que ainda não veio e já devia ter vindo dá quase para um popó! Mas aí tem de entrar o jogo de cintura: se é certo que quero receber como as pessoas normais, também é certo que não posso entrar de carrinho. Porque até me pagam num instante, mas arrisco a que deixem de me contratar os serviços.

Sinto-me uma puta ripada. Duas notas finais: felizmente, nem todos os meus seis clientes são assim, senão já vivia debaixo da ponte; e que saudades dos tempos em que tinha direito a 14 salários por 11 meses de trabalho.

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