Friday, December 17, 2004

O Estado da Casa do Gaiato

A propósito do resultado da auditoria do Instituto de Fiscalização da Segurança Social.

Tendo ficado orfão aos 4 anos, 0 mei pai foi criado na Obra do Padre Américo de Paço de Sousa até aos 17 anos, altura em que se fez sozinho à vida. Outros 17 anos depois, tinha eu 7 anos de idade passei «emprestado a part-time» 4 anos na Casa do Gaiato do Porto. Por especial pedido dos meus pais, que necessitavam ambos trabalhar, ia à escola de manhã, passava lá as tardes e, por vezes, à noite ia dormir a casa. Outras vezes, ia por gosto passar umas semanas a Paço de Sousa, onde estavam parte dos meus amigos, que só vinham ao Porto quinzenalmente vender os jornais. E lá tinha piscina e campo de futebol. Chamavam-me "neto" do Gaiato.
Nunca fui sexualmente abusado, nunca fui maltratado, nunca assisti a este tipo de comportamentos para com outros miúdos, esses sim, «efectivos» da casa.
Primeiro, é preciso salientar que os miúdos gaiatos não são meninos de côro, mas sim rapazes resgatados das ruas ou de lares muito problemáticos socialmente.
A educação é dura, os castigos existem. O meu pai disse-me que nunca foi castigado sem que não o tivesse merecido. E chegou a passar 52 tardes de Domingo (1 ano) sentado no cruzeiro da praça enquanto todos brincavam na sua folga. Só não contou o crime, diabo... Também de quando em vez choviam umas palmadas. Quando assim o era, a situação exigia. Nunca senti medo nem opressão, antes respeito e admiração.
Sou ateu por conformismo, e assim sinto-me à vontade para falar na nobreza daqueles padres educadores. Ia à missa, por educação que recebia. Talvez choque alguns falsos moralistas que as crianças sejam desde tenras a cumprir tarefas e a ter uma missão, um trabalho além da escola. Ou a lavar louça, ou a descascar batatas, ou na horta, ou na vacaria, ou nas limpezas da Casa. «Pelos rapazes, por os rapazes, para os rapazes». É uma Casa auto-sustentável. De portas abertas, dia e noite. A Casa do Gaiato transforma putos insurrectos em homens sérios.
Gostava que os senhores da Segurança Social olhassem para o que se passa nas suas próprias casas. Exemplifico com a Casa Pia. Gostava que existisse uma contabilidade do número de ex-casapianos e do número de ex-gaiatos nas prisões portuguesas.
E tudo começa nos seus educadores pouco preocupados com a fútil imagem política. É preciso coragem para assumir esta declaração: «Obviamente que numa Casa só de rapazes em crescimento, existe sempre algum caso em que alguém mais velho abusa de alguém mais novo. Nós existimos também para o não permitir.» Digo mais, o mais importante é que quando acontece não é do conhecimento nem comparticipado pelos tutores.