Friday, January 13, 2006

Jantares de amigos - ontem e hoje

Não será (ainda) uma crise de meia-idade, mas não consigo deixar de sentir que vivo um pouco fora do tempo. O facto dos meus amigos de longa data serem, em média 3 ou 4 anos mais velhos do que eu, terá também alguma influência. Se, em tempos, foi uma vantagem sociológica, hoje sinto que deixou de o ser. Os jantares com esses amigos são disso exemplo.

Em tempos, reuniamo-nos para jantar. Por regra, num restaurante qualquer ou no T1 de algum. Começava-se pelo martini, caipirinha ou gin tónico. Fumavam-se uns cigarros, comia-se com vontade com a ajuda de, pelo menos, 2 garrafas de vinho para cada 3 pessoas. Fumavam-se mais uns cigarros e devora-se uma qualquer sobremesa hipercalórica para contrabalançar a coisa e elevar a glicose. Mais uns cigarritos, café, garrafa de whisky na mesa e a distribuição de umas cigarrilhas. Quando muito, a coisa ficava só por aqui! Conversava-se de trabalho, política, futebol, amigos ausentes e presentes, e ria-se. Ria-se mesmo muito. Até a barriga doer.

Hoje em dia, esses jantares são raros. Na semana passada, tive um jantar social com 3 casais amigos. E com 4 crianças. 5, se contarmos com a grávida. Os jantares de hoje são servidos na moradia de um dos amigos, com direito a serviço Vista Alegre e entradas de ar suspeito, mas nobre, da Fauchon. O jantar começa e acaba com o mesmo tema de conversa: as viroses, alergias e humores dos petizes. Incrível como, nos jantares de hoje, se conseguem manter em silêncio 8 adultos, olhando com ar ternurento para 4 crianças a brincar no chão da sala.
Fumar só na varanda. Os meus amigos largaram orgulhosamente o vício e são, hoje, acérrimos anti-tabagistas (quando, em tempos, pareciam aspiradores que literalmente sugavam qualquer coisa que fosse, cientificamente, fumável), pelo que dou comigo a fumar na varanda, com 2º C, e sem companhia. «Pá, bebia um martinizito...». «Mais alguém quer?». «Não, obrigadinho, fico já todo fodido». «Eu também não, que o Nuninho está a mamar!». «Não, vou conduzir».(Foda-se!!).
Enquanto se aguardava a confecção da iguaria pelo homem da casa, um dos putos, qual cena digna do «Exorcista», vomita um jorro beje e contínuo por cima da mãe e do chão da sala. Mas um jorro como eu próprio nunca consegui! Que raio comem os putos hoje em dia? Ambos foram tomar banho, enquanto os convidados se desdobram entre passar a esfregona carregada de detergente no chão e limpar, um a um, os brinquedos com um paninho na varanda (pelo menos agora tenho companhia para fumar, porque o Martini já puxa). Entretanto, na sala as mães esgrimam argumentos relativos à(s) causa(s) do mau estar da pobre criança.
Uma hora mais tarde, a janta. Está na sala um odor, entre o azedo do vomitado e o doce do detergente. Afinal a iguaria era um empadão de peixe, com a textura e aspecto semelhante aos litros debitados pelo puto. Uma salada a acompanhar, com umas ervas que não me lembro o que eram, mas que um dos amigos (que tem uma empresa de jardinagem) afirma serem infestantes de relvado. Agora é bem comer aquela merda, azeda como o raio. 1 garrafa de vinho chegou para 8 pessoas. «Abro outra?». «Não, não vale a pena, já é exagero». Nem abri a boca e dei um gole do copo da cara-metade, para empurrar a última garfada. Sobremesa: salada de fruta caseira, sem açúcar. Café, 3 (seus dependentes!). Whisky... «Eu aceito». Sob o olhar quase reprovador e admirado da assembleia. Mais uma ida à varanda. No regresso, «tal, as fraldas, tal, o preço dos infantários, tal, que só adormece a brincar com as orelhas do pai...».
«Bem, vamos embora, já é tarde e os miúdos já dormem. Ainda temos de fazer a viagem». Foooodddaaaa-ssssseeeee... não deveria ser esta a altura que se aproveitava para fazer qualquer coisinha? «Foi muito fixe, temos de nos juntar mais vezes». «Para o mês que vem, fazemos em minha casa, mas é melhor um almoço ou lanche para os miúdos aproveitarem o relvado.»

Por mim, o sentimento que fica é que, passados tantos anos, deixei, de repente, de conhecer alguns dos meus amigos. Não me interpretem mal, gosto de crianças e continuo a gostar desses meus amigos. Mas acredito nos raros exemplos em que se consegue levar uma vida coerente e diversificada, quando esse passo chega. Estarei eu assim daqui a 3 ou 4 anos?
Entro em casa. «Não vens dormir?». «Ainda não, vou jogar uma partida de futebol no PC, ouvir um som e ler uns blogs para desanuviar». Ela ri-se e apenas diz: «As crianças são o melhor que o mundo tem, não são? Também já se me estavam a esgotar as competências sociais!». Ah mulher! Valha-me o conforto da compreensão.