Monday, June 22, 2009

Discrição

Sempre gostei de poder seleccionar o que partilho com o mundo. Não partilho muito. Gosto de manter comigo alguns mistérios da minha vida e mente. Não gosto que saibam demais da minha vida. Às vezes nem amigos. Muito menos pessoas com quem me relaciono esporádica ou profissionalmente. Talvez por isso quando um contacto de trabalho qualquer me pergunta pelo meu filho, faço um sorriso amarelo e respondo apenas «Tá tudo», quando apetecia responder «e que tens tu a ver com isso? é importante para o trabalho que estamos a fazer? perguntei-te acaso pelo(s) teu(s)?».

Talvez seja mau feitio. Há uns anos que acho que já passei a fase de partilhar e fazer amigos. A maioria das pessoas que conheço recentemente desiludem-me, pois descubro quase sempre que não têm nada a ver comigo. E isso nota-se em mim. No estrangeiro, fujo quando ouço falar português. Por cá, nunca meto conversa e desmarco-me sempre que alguém com ar perdido e a precisar de amigos, o faz. Não gosto de pessoas complicadas. Aborrecem-me pessoas que falam muito. Irritam-me as questões menores. É um problema a transparência.
Mas também uma virtude. Pois às vezes também conheço raras pessoas que me dizem coisas. Que me ensinam formas de estar e ver. Quando era mais novo, achava que ver nos outros referências, e mesmo imitá-las, podia ser sintoma de falta de personalidade. Hoje acredito que é sinal de inteligência e humildade reconhecer nos outros lacunas nossas e querer adoptar as suas competências. Assim, qualquer sensação de esforço ou iniciativa da minha parte para estar com essas pessoas devia ser encarado por elas como um verdadeiro feito, pois significa mais do que genericamente significa o acto em si. Significa que as coloco num altar muito elevado. Só sorrio quando gosto de facto. Só apareço quando quero muito (ok, e quando posso também).

Como está fácil de ver, alguém com este feitio tem um desconforto acrescido a partilhar a sua vida com o público em geral, com estranhos. Por isso sempre comprei preservativos em estações de serviço e hipermercados, atirando a caixa para o meio das outras compras, algures entre os iogurtes e o arroz carolino, na tentativa de passar despercebido. Não gosto da sensação de olhos nos olhos com um farmacêutico pedir-lhe: «Uma caixa de Control, por favor», quando sei que ele ouve entrelinhas: «Ora finalmente vou pinar». Ao que ele responde: «Caixa de 6 ou de 12?». E eu digo: «De 6» e ele ouve «6 para mim rende à brava e 12 podem estragar-se». Ele insiste: «Dos normais?». E eu digo «Retardante» quando ele entende «É para minimizar a minha ejaculação precoce».
E pronto, num rápido relacionamento comercial está partilhada com o mundo a minha desgraça sexual.

Lembrei-me disto ao ouvir alguém numa farmácia pedir a pílula do dia seguinte. É que eu ouvi: «Pinei ontem, foi uma loucura, perdi a cabeça e caguei para o mundo».

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