Relato de uma viagem
Quando se sai do comboio na Central Station (fui de avião até Frankfurt e depois de comboio para Amesterdão), a primeira sensação é de frio. Muito frio. Daquele frio negativo que faz doer as unhas e mudar a pele dos lábios, de tanto eles gretarem.
Com cerca de 700 mil habitantes, Amesterdão é uma cidade pequena. Basicamente, um semi-círculo com 3 quilómetros de diâmetro, que se expande a partir da Central Station. O povo holandês é bonito, elegante e discretamente bem vestido. Loiras, morenas, altas, baixas, sem um traço característico que defina o povo, mas todas boas, mas tão boas, mesmo boas. Melhores que em Ermesinde. Enfim, uma beleza natural sem pintura e de sapatos rasos.
Talvez 25% dos habitantes locais não sejam de nacionalidade holandesa, mas sim imigrantes radicados de dezenas de nacionalidades. É, para já, a cidade mais cosmopolita que conheci até hoje. A língua oficial é o holandês, mas toda a gente fala fluentemente o inglês.
Se há 700 mil habitantes, há pelo menos 700 mil bicicletas. Bicicletas sem mudanças, pois não há subidas e descidas, e bicicletas com lugares adaptados para transporte de crianças, por vezes com meses de idade. É normal ver passar a avó de 70 anos, a mãe com os 3 filhos (sim, na mesma bicicleta), e a jovem a pedalar com o namorado sentado de lado, atrás no espaço para as compras, enquanto come um gelado (não esquecer que estão -2º C).
Há ainda eléctricos e barcos. Muitas casas tem a bicicleta na rua da frente e o barco no canal das traseiras. Carros, há poucos, principalmente estacionados nos poucos locais disponíveis para residentes. É possível alugar ou comprar bicicletas usadas, com cadeado incluído. Nunca uma muito boa, pois a probabilidade de ser roubada é alta.
A arquitectura é simples, mas bem conservada. As casas são estreitas, pois nos séculos XVII e XVIII o imposto dependia da largura das fachadas. Assim, como as escadas interior em caracol são estreitas, todas as casas possuem um gancho no exterior por onde são içados os móveis para os andares superiores, que entram pelas amplas janelas. Muitas casas não possuem cortinas, sendo o interior da casa de noite e dia completamente visível pelo transeunte. Ninguém olha, ninguém espreita.
A comida holandesa baseia-se nos seus queijos – o Edam e o Gouda. Acompanhados por vinhos franceses e espanhóis. Para além disso, a gastronomia é ainda muito variada: há restaurantes indonésios, indianos, chineses, japoneses, italianos, gregos, franceses, espanhóis e argentinos. Na minha opinião, está em falta nesta cidade a bela tasca portuguesa, servindo bolinhos de bacalhau e bifanas, com um barrigudo de bigode e palito na boca atrás do balcão. Fica aqui a ideia para um negócio.
O famoso Red Light District é um quarteirão igual a todos os outros. Duas ruas paralelas, separadas por um canal de água. Casas iguais, estreitas, com enormes janelas. A única diferença é que, em todas as janelas, sejam elas de R/C ou de 1º andar, encontra-se uma mulher de lingerie. O preço é negociado através do vidro e, em caso de acordo, o cliente entra e a cortina vermelha é fechada. Simples e honesto. Como em tudo, há mulheres e mulheres. Dá para distinguir claramente uma zona de saldos, composta maioritariamente por mulheres asiáticas com excesso de peso, mas também existe a galeria de luxo… se existe! Até a cara-metade reconheceu: «Tens a certeza que não queres ir?». À noite, as luzes e as cortinas vermelhas fazem com que este quarteirão pareça a Rua Santa Catarina em semana de Natal. Nesta zona, é proibido fotografar.
Por fim, os famosos cafés. Com o frio que se fazia sentir, a solução era entrar 3 a 4 vezes por dia para aquecer. Os cafés típicos são chamados os bruincaffes, os cafés castanhos. Alguns já do séc. XVII, têm este nome porque tudo é de um castanho amarelado nestes bares, por acção da nicotina com o passar dos vários anos.
Os coffeeshops existem para todos os gostos. Estão espalhados por toda a cidade, existindo mais de 140 actualmente. Óbvio que não os visitei a todos mas recomendo o Barney’s Lounge, o Little e Rokerij IV. Como em tudo, os melhores estão fora das zonas centrais e turísticas. Existem coffeeshops no estilo dos bruincaffes, existem num estilo mais dance-bar, num ambiente mais chill-out, com onda rock, loungue bars…
Há de toda a espécie de erva, haxixe, pólen, skunk, com variações e especialidades próprias de cada casa. Origens: Marrocos, Jamaica, Índia, Líbano, Nepal e por aí fora. Os preços variam entre os 5 e os 15 euros a grama. Há ainda bolos e bolachas de haxixe para os não fumadores. Quem entra, dirige-se ao balcão e escolhe do menu o produto e quantidade (atenção que ser apanhado pela polícia na rua com mais do que 5 gramas, dá direito automático a um par de algemas, sem hipóteses de negociação). Os vendedores são regra geral muito afáveis e esclarecedores no momento da compra. Depois, nas mesas, pede-se um chá ou um café, enquanto se fuma. Nos coffeeshops é proibido vender álcool.
A minha primeira experiência deu-me que pensar: ou o meu inglês anda a precisar de desenvolvimento ou o tipo gozou com a minha cara. Dirijo-me ao balcão: «Hi. Please give me some help here. I don’t want to get heavly stoned, do you recommend some light chill-out thing?». Vendeu-me uma erva chamada «Jamaican Sweetness». Resultado: demorei duas horas a conseguir levantar-me das almofadas. A estadia prometia. É permitido fumar cannabis na rua e outros locais públicos, mas é exigida grande descrição. E cuidado: porque para as mentes mais preguiçosas e distraídas, o efeito é perigoso pois surgem bicicletas e eléctricos de todo o lado e conseguem ser bem silenciosos!
Apesar de tudo isto, Amesterdão não é, nem de perto, uma cidade decadente. Tudo isto é natural e aceite sem julgamento, com respeito pelas opções puramente individuais. Há apenas regras sociais e essas são mesmo para cumprir.
E como uma imagem vale por mil palavras, ficam algumas aqui.
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