Friday, September 19, 2003

O Estado da Televisão Portuguesa

A caixinha que mudou o mundo tem dado algo que falar, apesar de não variar no que fala: incêndios e pedofilia. Todos os dias há indecisão na abertura do Telejornal: ou mais uma floresta que arde, ou mais um menino de 25 anos que afirma ter sido, aos 8 anos, sodomizado por um apresentador de televisão. Em rara alternativa, a estória da velhinha de 70 anos de Merdaleja-De-Baixo abandonada pelo filho trolha, com um neto monga benfiquista, e como estes foram levados pelo Mantorras ao Estádio da Luz. Em relação aos incêndios, o supra-sumo das reportagens são as entrevistas ao Zé-Povinho. O reformado de umbigo à mostra e ar sebento e sábio, homem com muitas horas de sueca no tasco da esquina; o flipado da terra a ressacar, exibindo as suas cáries em primeiro plano com particular sorriso, esperando que depois consiga cravar uns trocos; a D. Engrácia que descarrega umas lambadas no focinho do puto irrequieto enquanto afirma que já tinha avisado que a tragédia ia acontecer e que ainda ontem teve «uma azia tão grande que só podia ser mau agoiro». Tão típico, tão puro, tão característico desta bela terra de Portucale, este «cantinho do céu» como apelidava a minha avó (a senhora tinha péssimo gosto e contentava-se com umas sopas de vinho).
A crise acentua-se no Verão: somos obrigados a saber quem é a Bibá Pitta e a ver as nossas estrelas em mais uma festa de jet-set, conseguindo fazer uma figura de burros deveras mais acentuada que a habitual.

Apesar de tudo isto, não critico as Administrações pelas programações recheadas de Big Brother’s, Malucos do Riso e afins. A televisão é um negócio e simpatizo com a política. Quando ligo a Televisão, por norma procuro entretenimento. Se por acaso está a dar o Marco a enfiar uma biqueirada nas ditas da tipa que gosta de iogurtes, ou um pseudo-júri a gozar com os morcões que tentam cantar à sua frente e eu porventura acho graça, continuo a ver sem ter qualquer crise de intelectualite. Se quero cultura, vou a uma exposição, a um museu, a uma biblioteca ou a outro qualquer lado próprio. É certo que sou um péssimo cliente de TV, mas a TV é de borla e como tudo que o é numa sociedade capitalista, não vale ponta de corno. É necessário interiorizar a qualidade e os fins do produto.
A TV não tem um objectivo educacional. Mesmo que o tivesse, não teria capacidade para aculturar uma população que tem a estupidez cravada pelos anos na sua cultura. A TV depende da publicidade e o preço desta varia em função da audiência. A audiência são os broncos semelhantes aos que aparecem nos incêndios... Este é o português em 90% dos casos, o único povo terrestre que bate palmas após cada aterragem de avião. E a TV existe para os servir... assim, a programação tem de ser feita à sua imagem. Quem o contrariar, perde a concorrência e pior que isso, está destinado ao insucesso total, tornando-se praticamente uma TV pirata. Perde os clientes, as audiências, os contratos publicitários, o dinheiro e os seu profissionais.
A partir do momento, em que é permitida a entrada de canais privados, com fins lucrativos e não pagos pelo consumidor, a própria televisão estatal não pode assumir o compromisso de serviço público para poder sobreviver. Uma questão lógica.

Alguém sabe qual é o share do Canal 2?....